Olhei através da janela para a escura noite agitada na avenida abaixo de mim. Hoje fazia quatro anos. Quatro longos anos... Eu não queria me lamentar, mas era inevitável.
Eu sabia que não deveria me lembrar tão intensamente dessa data. Eu não deveria viver em luto permanente. Tudo havia mudado. Mas eu sempre guardaria em mim a imagem que um dia eu tivera de você: doce e inocente. E isso não mudaria, porque algumas coisas a gente simplesmente não pode mudar.
Os pingos de chuva começaram a cair na minha janela à medida que eu começava a soluçar. Lágrimas minhas caiam com a mesma intensidade da chuva lá fora, elas eram salgadas como o mar. No rádio tocava a nossa musica, e isso era mais do que motivo para tornar tudo insuportavelmente depressivo e solitário. Não havia estrelas no céu, era uma noite sem esperanças, e a única fonte de luz que adentrava o apartamento provinha dos postes de luz lá fora.
Através da minha janela eu podia ver um taxi parando na avenida. Muito rapidamente vi alguém descer do taxi amarelo carregando um guarda-chuva preto. Usava um terno caro, pelo que vi. Na mínima era apenas mais um dos moradores, um daqueles chatos e insuportáveis moradores mesquinhos!
Nada mais me importava. Era tudo vazio e sem sentido. O tempo transcorria lentamente. Dois minutos. Por que qualquer música me lembrava tão instantaneamente de você? Quatro minutos. Quão horrível era me lembrar de tudo, de tudo que me prometeu mais jamais chegou a cumprir... Dez minutos. E ouvi a campainha soar ao longe.
Enxugando minhas lágrimas geladas, me levantei da poltrona da janela e caminhei até a porta. Atenderia assim mesmo! Nada de me olhar no espelho e tentar, no mínio, aparentar apresentável. O mundo que suporte a minha dor...
A primeira coisa que vi foram sapatos mocassins pretos e molhados. Aos poucos fui subindo os meus olhos. Deparei-me com o rosto que eu mais idealizei em quatro anos; vi o rosto que eu vinha sonhando todos os dias desde sua partida, o rosto cujo me fazia lembrar todos os dias ensolarados e alegres e de todos os dias frios e aconchegantes. E eu sabia que a minha idealização nada havia mudado da realidade. O meu anjo estava ali, olhando para mim com o mesmo rosto maravilhoso e o mesmo sorriso sem-graça que eu conhecia desde os meus 10 anos de idade.
Ele estava parado no hall, olhando para mim, meio que se perguntando se eu iria lhe convidar para entrar e ainda segurando o guarda-chuva molhado em suas mãos. Era ele o homem de terno que eu vira descendo do carro. O que era engraçado, já que eu só o vira assim três ou quatro vezes antes, e eu sempre perdia o ar ao vê-lo tão lindo, mas para mim ele sempre seria o mesmo menino... Perguntei-me se o anjo parado no meu hall não seria uma miragem. Mas não! Ele estava ali, ele estava ali com aqueles olhos me fitando. Ele tinha voltado! Olhei fixamente em seus olhos e finalmente abri o meu único sorriso sincero em quatro longos anos. Abracei-lhe sem pensar. Senti o seu cheiro me acamando... Ele tinha voltado!