sexta-feira, 19 de março de 2010

A volta.


Olhei através da janela para a escura noite agitada na avenida abaixo de mim. Hoje fazia quatro anos. Quatro longos anos... Eu não queria me lamentar, mas era inevitável.

Eu sabia que não deveria me lembrar tão intensamente dessa data. Eu não deveria viver em luto permanente. Tudo havia mudado. Mas eu sempre guardaria em mim a imagem que um dia eu tivera de você: doce e inocente. E isso não mudaria, porque algumas coisas a gente simplesmente não pode mudar.

Os pingos de chuva começaram a cair na minha janela à medida que eu começava a soluçar. Lágrimas minhas caiam com a mesma intensidade da chuva lá fora, elas eram salgadas como o mar. No rádio tocava a nossa musica, e isso era mais do que motivo para tornar tudo insuportavelmente depressivo e solitário. Não havia estrelas no céu, era uma noite sem esperanças, e a única fonte de luz que adentrava o apartamento provinha dos postes de luz lá fora.

Através da minha janela eu podia ver um taxi parando na avenida. Muito rapidamente vi alguém descer do taxi amarelo carregando um guarda-chuva preto. Usava um terno caro, pelo que vi. Na mínima era apenas mais um dos moradores, um daqueles chatos e insuportáveis moradores mesquinhos!

Nada mais me importava. Era tudo vazio e sem sentido. O tempo transcorria lentamente. Dois minutos. Por que qualquer música me lembrava tão instantaneamente de você? Quatro minutos. Quão horrível era me lembrar de tudo, de tudo que me prometeu mais jamais chegou a cumprir... Dez minutos. E ouvi a campainha soar ao longe.

Enxugando minhas lágrimas geladas, me levantei da poltrona da janela e caminhei até a porta. Atenderia assim mesmo! Nada de me olhar no espelho e tentar, no mínio, aparentar apresentável. O mundo que suporte a minha dor...

A primeira coisa que vi foram sapatos mocassins pretos e molhados. Aos poucos fui subindo os meus olhos. Deparei-me com o rosto que eu mais idealizei em quatro anos; vi o rosto que eu vinha sonhando todos os dias desde sua partida, o rosto cujo me fazia lembrar todos os dias ensolarados e alegres e de todos os dias frios e aconchegantes. E eu sabia que a minha idealização nada havia mudado da realidade. O meu anjo estava ali, olhando para mim com o mesmo rosto maravilhoso e o mesmo sorriso sem-graça que eu conhecia desde os meus 10 anos de idade.

Ele estava parado no hall, olhando para mim, meio que se perguntando se eu iria lhe convidar para entrar e ainda segurando o guarda-chuva molhado em suas mãos. Era ele o homem de terno que eu vira descendo do carro. O que era engraçado, já que eu só o vira assim três ou quatro vezes antes, e eu sempre perdia o ar ao vê-lo tão lindo, mas para mim ele sempre seria o mesmo menino... Perguntei-me se o anjo parado no meu hall não seria uma miragem. Mas não! Ele estava ali, ele estava ali com aqueles olhos me fitando. Ele tinha voltado! Olhei fixamente em seus olhos e finalmente abri o meu único sorriso sincero em quatro longos anos. Abracei-lhe sem pensar. Senti o seu cheiro me acamando... Ele tinha voltado!

sexta-feira, 5 de março de 2010

O mar...

Acordei sozinha naquele apartamento triste e solitário. Ao longe eu podia ver o mar verde água me chamando. Convidando-me a lavar minhas lagrimas de uma vez por todas.

Vesti-me rapidamente com um vestido branco e cumprido, e me dirigi à praia. Eu morara ali, naquela mesma cidade, com a mesma vista para aquele mesmo mar por tantos anos, que ao chegar naquela praia - que há tanto eu não visitava- eu senti como se estivesse reencontrando um velho amigo de infância. Era ali, tinha que ser ali. Se o meu fim não fosse naquela solitária e conhecida praia não seria em lugar nenhum.
Aos poucos fui molhando meus pés descalços na água salgada e gelada. Fui me esquecendo daquele frio congelante e pensando no que estava prestes a fazer. Era agora, era para sempre. Pelo menos nesse pra sempre eu poderia confiar.
Olhei para noite claramente iluminada pela lua. Olhei para o céu estrelado que há tanto me havia inspirado e me feito pensar. Não, as estrelas não seriam um motivo para desistir. Não seriam mesmo.
Do outro lado da praia eu via a água batendo nas rochas com violência e força. Em poucos minutos eu estaria imersa naquela violência e faminta. Continuei minha caminhada lenta e fúnebre em direção ao mar verde e salgado.

Continuei andando e me lembrando. Pensando. O que me faria
parar agora? Nada! Eu estava decidida. Pingos salgados de lagrimas minhas se juntaram ao mar salgado. De agora em diante o mar seria meu o meu espelho. Caminhei mais rápido e de encontro a uma onda raivosa que se aproximava.
Aos poucos senti o ar sair dos meus pulmões e as minhas artérias doerem com o sal do meu carrasco. Era assim mesmo que eu esperava que fosse. Eu ouvia um milhão de vozes naquela praia vazia, como se as estrelas me mandassem continuar, me mandassem aguentar firme, pois o fim era assim mesmo, e só dessa maneira eu dividira o céu com elas no final de tudo. Eu sabia disso.
Afundei e fui puxada para baixo, perdendo, durante o percurso a minha visão do mundo lá fora, do céu e das estrelas que, tristes, esperavam eu me juntar a elas.
E o mar, com sua ânsia incontrolável de dominar e destruir, levou-me para suas profundezas sozinhas e gigantescas. Levou minhas dores, meus sentidos e minhas virtudes. Levou todo meu ar, todos os meus sonhos e pesadelos. E isso era mais do que suficiente para me sentir, como há muito não me sentia, alegre.